A “festa fora de época” faz parte da cultura do distrito de Bravo

 

Micareta de Jacobina. Bloco "Salgueiros do Amor", 1936.
Foto: Juventino Rodrigues

Já é sabido que o carnaval, além de atrair milhares de pessoas no Brasil, movimenta a econômica do polo promotor do evento. O carnaval ganhou tamanha dimensão, que se tornou uma expressiva festa popular do país.

Na Bahia, não foi diferente a adesão ao carnaval. A capital do Estado, Salvador, é o grande centro do festejo, disputado inclusive o título de uma das festas de rua mais populares do mundo. Porém, o carnaval tem sua origem na Europa, mas achou tecido social fértil no Brasil. Inicialmente, os festejos se comemoravam nos requisitados salões de festa do Rio de Janeiro durante o século XIX.

Com o passar do tempo, as comemorações foram para as ruas e se expandiram em diversas cidades do Brasil. O carnaval ganhou tamanha identidade que o Brasil ganhou o ‘título popular’ de país do carnaval. Não se pode mais pensar a nossa nação sem a presença carnavalesca – embora a recente pandemia da covid-19 exigiu suspensão temporária da festa por dois anos.

O “gosto pelo carnaval” chegou a tal ponto que diversas cidades começaram a promover o “carnaval fora de época”, conhecida como MICARETA. Segundo Reiner Gonçalves de Souza, o termo micareta não é uma invenção brasileira. “O termo micareta vem da expressão francesa “mi-carême”, que significa “meio da Quaresma”, influência do calendário católico.

Em seu artigo, Reiner Gonçalves de Souza afirma que pesquisas indicam indícios de Jacobina, cidade baiana, como primeira localidade a promover a micareta há um século. Porém, longe de ser uma festa com trio elétrico, blocos, rainhas, palcos (...) e regada a muita bebida e comida.

Feira de Santana ainda hoje mantém a tradicional micareta. Foto: 1980

As micaretas modernas, com o uso do trio elétrico, ficaram restritas a Bahia durante décadas. “Somente a partir de 1989, os foliões de Campina Grande, na Paraíba, tiveram a ideia de organizar a MICARANDE”, atesta Reiner Gonçalves.

Na região de Serra Preta, as referências de micaretas eram realizadas no município de Ipirá e Feira de Santana. Esta última, algum tempo, chegou a ser comparada com a extensão do próprio carnaval de Salvador.

As micaretas ganharam tanto prestígio, que passaram a movimentar a economia das localidades que realizavam. Para participar, os foliões desembolsavam razoável quantia para adquirir o famoso “abadá”. Geralmente, os trios elétricos são patrocinados pelo poder público local ou mesmo ‘mecenas festivos’ – um líder local que gostava do evento.

Em Serra Preta, a micareta não teve projeção no formato inicial. Começou como festa de largo, promovido pelo Senhor Melquiades Figueredo no distrito de Bravo, durante o Trezenário de Santo Antônio no mês de junho.  Segundo relatos, o promotor do evento realização leilões e bandas de assopros circulavam a localidade de Bravo.

Com a chegada dos trios elétricos, a festa ganhou projeção e passou a concorrer com a festa religiosa. “A festa de Seu Melquiades”, como ficou conhecida, se tornou identidade local. A população se preparava todos os anos para participar do evento. Populares iam receber o trio elétrico na BA-052 (Estrada do Feijão) a 03 km do Bravo.

Embora muito católico, Seu Melquiades passou a ser questionado pelos líderes religiosos quanto a realização da festa na data do Trezenário religioso. Com a morte de Seu Melquiades, em 1988 (há 34 anos), a festa decaiu e passou a ser realizada esporadicamente.

Mesmo com a irregularidade do calendário da festa, a partir de então, populares utilizaram o nome de micareta quando realizavam. A micareta ganhou mais público e adereços carnavalesco. Blocos festivos e dezenas de barracas de vendas passaram a ser montadas no circuito. Era comum em período eleitoral candidatos formarem blocos com seu nome e número de registro de candidatura (a lei eleitoral na época permitia). Junho e setembro eram as datas mais utilizadas para a realização da micareta.

Arrastão em 2018, distrito de Bravo, imita o formato da micareta dos anos 90 em Bravo

Em 1992, o distrito de Bravo registrou uma das melhores micaretas. Foi uma festa patrocinado pela prefeitura e organizada pelo “Grupo Jovem”, liderado por Claudio Figueredo, conhecido como Cal de Zé. Comerciantes também já lideraram a organização da micareta local. Até mesmo uma Associação, conhecida como Bravolândia, já promoveu uma festa no padrão carnavalesca fora de época.

Sem uma Lei Municipal que regulasse a festa, a micareta do Bravo ficou a mercê de interesses partidários. Quem no poder estava promovia ou não a micareta. Como consequência, a micareta (festa fora de época) passou a ser realizada apenas em ano eleitoral com o objetivo de conquistar eleitores. A festa caiu em descrença. Com a proibição dos “showsmícios”, os investimentos eleitorais acabaram e a micareta se perdeu no tempo.

Mesmo com um lapso temporal considerado, a micareta do Bravo não saiu da memória da população. Na gestão do prefeito Aldinho (2016 a 2020), o gestou realizou uma festa semelhante com o nome de “Arrastão” em 1° de janeiro, atraindo multidões no centro do distrito de Bravo. Mas ainda longe de ser a micareta que a população merece.

É uma negação cultural reprimir ou deixar de realizar a micareta de Bravo todos os anos, com calendário próprio e formato que atenda o interesse público. A micareta não é apenas uma festa banal como algum seguimento pensa. A micareta do Bravo é o resgate cultural de uma localidade com forte apelo comercial. É um evento que promove o município para além de seus limites e gera emprego e renda para Serra Preta. Sem assim, é de grande valia que o Poder Público, através de Lei Municipal, promova este imprescindível evento.

 

REFERÊNCIAS

GONÇALVES SOUZA, Reiner. A Origem da Micareta. https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/a-origem-das-micaretas.htm. Acessado em 10/09/2022.

ALVES, Lucas. Micareta – Origem, história e sucesso do famoso evento. https://segredosdomundo.r7.com/micareta/. Acessado em 10/09/2022.

 
BARRETO, Mário Ângelo Santos. A Micareta do Bravo vai voltar. https://marioangelobarreto.blogspot.com/2017/07/serra-preta-micareta-do-bravo-vai-voltar.html. Acessado em 10/09/2022.

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